O acidente da Samarco (Vale/BHP) em Mariana-MG,
no dia 05 de novembro de 2015, causou uma dor enorme em todas as vítimas diretas e
indiretas desse ato criminoso contra a vida, sociedade e meio ambiente. Essa
tragédia, talvez a maior na história do Brasil, é um atentado contra os
direitos humanos e como tal deve ser tratado pelas autoridades.
Nesse primeiro momento as atenções estão
voltadas para tentar localizar sobreviventes e evitar maiores danos, mas há repercussões
na esfera jurídica que devem ser objeto de preocupação por parte da população
mineira, vítima indireta desse dano de dimensões gigantescas.
Os danos chegaram até o Espírito Santo
já que a bacia do Rio Doce foi brutalmente afetada. Essa bacia, que passa por
Minas Gerais e Espírito Santo, pertence à União, fato que atrai a competência federal
para o caso, o que repercute na atuação da Polícia Federal, Ministério Público
Federal e IBAMA. Todos os órgãos, de todas as esferas federativas - Município
de Mariana, Estado de Minas Gerais e União Federal – estão envolvidos e são responsáveis
pela persecução penal e administrativa do caso.
No que se refere à esfera civil, as
vítimas diretas dessa tragédia não deveriam estar dependentes de doações de
água e demais itens de sobrevivência, como tem sido demonstrado pela imprensa e
organizações civis de apoio aos sobreviventes. Independente da futura
indenização material, moral e coletiva, a mineradora deveria estar garantindo
absolutamente todos os itens necessários para as comunidades vítimas de seu tsunami
de rejeito. Essas famílias, desalojadas, tinham uma dinâmica de vida que lhes foi
amputada. Talvez seja preciso uma atenção especial também da Defensoria Pública
no sentido de orientar as vítimas dessa tragédia e preveni-las dos oportunistas
de plantão. Liminares deveriam garantir o suporte material e psicológico
imediato, sem prejuízo da futura indenização cabível.
Na esfera penal há reflexos graves, pessoas
morreram, o patrimônio público e particular foi violentado, os danos ao meio
ambiente e recursos hídricos são incomensuráveis. A Lei de Crimes Ambientais
prevê pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa para aquele que “causar poluição
de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à
saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora”. Agrava a pena para 5 anos de reclusão e multa se “o
crime tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana,
causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento
público de água de uma comunidade”. A empresa é, portanto, passível de
responsabilização criminal, seja pelo homicídio culposo (ou doloso, se for o
caso), quanto pela Lei de Crimes Ambientais. Além disso, há que se valorar o dano
ambiental e hídrico causado, há métodos na economia e engenharia para isso. É
possível que o valor dos danos ambientais e coletivos supere o valor do
investimento da empresa mineradora naquela localidade. Os responsáveis legais
devem ser punidos de forma exemplar diante da gravidade do fato.
A subserviência dos Municípios, Estado e
União com as mineradoras tem que acabar. Desde o DNPM (Departamento Nacional de
Produção Mineral), com processos de licenciamento mineral sigilosos, passando
pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(SEMAD) que estuda estratégias para facilitar os licenciamentos ambientais e
hídricos até as prefeituras, reféns das mineradoras como usuárias de craque.
É preciso que esse fato trágico seja um
marco na história de Minas, com uma mudança de postura imediata, a começar pela
retirada de pauta o Projeto de Lei Estadual 2.946/2015, que dá poderes ao Conselho
Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social – CEDES para identificar os processos
de licenciamento considerados prioritários ou relevantes pelo Governo para que uma
superintendência especial, vinculada à SEMAD, os conclua. Essa barragem da
BHP/VALE certamente seria um caso de projeto prioritário ou relevante. Não se
trata de defender que o licenciamento moroso é sinônimo de qualidade técnica,
mas certamente possibilita o contraditório social do empreendimento, vale
dizer, a manifestação das comunidades envolvidas que tem direito sobre esses
territórios. Ademais, delegar ao Conselho de Desenvolvimento Econômico o poder
de destacar certas atividades e, ainda, atribuir a competência para decisão
sobre o licenciamento ambiental a um órgão vinculado ao gabinete da SEMAD, mais
parece um tribunal de exceção ambiental do que um processo administrativo de um
Estado Democrático de Direito.
As reflexões que ficam são: O que os
órgãos competentes farão com as mais de 700 barragens de rejeito em Minas Gerais?
Os responsáveis pela tragédia serão punidos criminalmente por seus atos? Será
preciso mais quantas tragédias para que o Poder Público faça o seu papel de
regulador e fiscalizador? Quais serão as punições e soluções para o agravamento
da crise hídrica na região sudeste do País ocasionada pelo rompimento dessa
barragem?
É preciso a punição de forma exemplar
dos responsáveis legais da empresa Samarco (BHP/Vale). A atividade de mineração,
sem acidentes, já é excessivamente causadora de impactos ambientais em especial
nos recursos hídricos. Espera-se que esse fato seja um marco histórico que desperte
uma postura ostensiva por parte do Poder Público (Executivo, Legislativo e
Judiciário) no que se refere à fiscalização, licenciamento dessas atividades e
punição por danos. As preocupações devem ser voltadas para os valores
constitucionais da dignidade humana, vidas, meio ambiente em detrimento do fomento
à atividade econômica mineral. O Estado de Minas Gerais precisa se adequar ao
século 21, com uma indústria moderna, limpa, sem riscos de danos às vidas,
fauna, meio ambiente e recursos hídricos. É preciso abrir a caixa preta da mineração
no Estado de Minas Gerais.
Beatriz Vignolo Silva – OAB/MG 115.797 - Advogada e conselheira da ONG Abrace a Serra da Moeda