Há cerca de um ano fábrica da
Coca Cola envia quatro caminhões pipa por dia para atender mais de
300 famílias em Brumadinho, afetadas pelo esgotamento da nascente Campinho.
Empresa nega que seja responsável pelo impacto hídrico, embora levantamento da
ONG Abrace a Serra da Moeda indique rebaixamento do aquífero em decorrência da
operação dos poços que abastecem a multinacional
A
fábrica de refrigerantes da Coca Cola FEMSA, instalada no município de
Itabirito, às margens da BR-040, está ameaçando nascentes importantes contidas
no Monumento Natural da Mãe D’água, na Serra da Moeda.
Segundo
denúncia da ONG Abrace a Serra da Moeda, para
atingir sua capacidade máxima de produção, a multinacional demandará uma grande
quantidade de água a ser retirada do aquífero. Mesmo sabendo disso, o órgão
ambiental competente autorizou a empresa a extrair 173.253m3 de água
por mês para atender a demanda de seus poços, embora a fábrica não tenha
apresentado estudo prévio de impacto hídrico. A situação se torna ainda mais
agravante pelo fato da própria Coca-Cola não possuir um Estudo de Impacto
Ambiental (EIA/RIMA).
De acordo com a advogada ambientalista da
ONG, Beatriz Vignolo Silva, a multinacional aproveitou-se de uma brecha na
legislação ambiental que permite a dispensa de EIA-RIMA para empreendimentos
localizados em distritos industriais. “Além disso, ela [Coca-Cola] firmou
contrato comercial com o SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto), concessionária
de água de Itabirito, pelo qual este se compromete a fornecer água destinada ao
abastecimento público para a produção de refrigerantes em grande escala”,
revela. Estima-se que a empresa produza cerca de 2,4 milhões de litros por
dia. “Desse modo o SAAE vende a água retirada da
Serra da Moeda para a Coca Cola, o que é um grande absurdo”, completa Vignolo.
Com essa conduta, segundo afirma a advogada,
a Coca Cola eximiu-se do erro de seu processo de licenciamento ambiental relacionado
ao impacto sobre o aquífero, que é bastante significativo. Essa tarefa ficou a
cargo do SAAE de Itabirito, que solicitou apenas as outorgas – que, pela
legislação, não exigem EIA/RIMA – para a finalidade de, em tese, cobrir
necessidades públicas e não particulares.
“O que vivemos hoje no caso da Coca
Cola é resultado da negligência do órgão ambiental Estadual no trato dos
recursos hídricos na Região Metropolitana de BH”, denuncia o Vice-Presidente da ONG Abrace a Serra, Ênio Araújo.
Por
causa da atuação antiecológica da multinacional, a nascente de Campinho, por
exemplo, que atende mais de 300 famílias em Brumadinho, já secou. Para
minimizar o impacto, há cerca de um ano a Coca Cola envia quatro caminhões pipa
diariamente para abastecer os moradores afetados. “Essa ‘ajuda’ dos caminhões pipa, entretanto, não é a melhor
solução e nem a que queremos! O que está em jogo aqui é a agressão aos recursos
naturais feita por grandes empreendedores e que infelizmente já começa a prejudicar
a população local”, ressalta Araújo.
Estudos hidrogeológicos indicam
rebaixamento do aquífero
Após recorrentes denúncias da ONG
Abrace a Serra da Moeda de que os poços da fábrica da Coca-Cola estariam
afetando as nascentes que abastecem Brumadinho e região, foi exigido que a
empresa apresentasse estudos hidrogeológicos.
No início deste ano foi apresentado relatório
preliminar, realizado pela consultora contratada (Schlumberger), que sem
ser conclusivo, sugere que o bombeamento pela Coca não causa impacto nas
nascentes. “Apesar desta conclusão ser ainda preliminar, baseada
em argumentos fracos, a Coca-Cola tem divulgado esse estudo em
conselhos ambientais, ocultando imprecisões e incertezas”, alerta Beatriz.
Veja
abaixo os argumentos e contra-argumentos apresentados pela Coca Cola e ONG
Abrace a Serra da Moeda sobre a responsabilidade no rebaixamento do aquífero da
Serra da Moeda:
Coca-Cola
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ONG Abrace a
Serra da Moeda
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As vazões das nascentes
podem ter sido afetadas pela ocorrência de um período de pouca incidência de
chuvas entre 2012 e 2016.
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A empresa não considerou
que nos cinco anos anteriores à baixa precipitação (entre 2008 e 2012), a
pluviometria foi 20% maior, o que desqualifica o argumento.
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O bombeamento praticado pelo SAAE
para suprir a FEMSA não superou a reserva renovável.
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A área de recarga foi
superdimensionada em pelo menos 40%, assim como a taxa de infiltração está
exagerada. Assim, pode-se afirmar que as reservas renováveis estão superestimadas.
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O
cone de depressão gerado pelo bombeamento não se aproximou das nascentes,
como indicado pela análise dos dados hidroquímicos.
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Argumento duvidoso pois a química do
aquífero não é homogênea: varia conforme a composição da
rocha na proximidade.
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Não existe evidência de que os poços de bombeamento estejam
interferindo nas nascentes avaliadas.
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A empresa omitiu dados de
um dos poços de monitoramento, denominado (PZ03), que mostrou em dois meses
um rebaixamento de aproximadamente 4 metros, suficiente para repercutir 0,5m
na nascente de Campinho.
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Segundo a ONG Abrace a Serra da
Moeda, se a Coca-Cola alterar o local dos poços que abastecem sua fábrica, a
vazão das nascentes impactadas possivelmente retornará à condição anterior.
Isso porque os poços atuais atingem o aquífero Cauê, o
mesmo das nascentes. Se eles tivessem sido perfurados mais a
leste da Serra, ou seja, no aquífero Gandarela, o
impacto possivelmente não teria acontecido.
“O caso da Coca Cola poderia ser solucionado se a empresa se
prontificasse a apresentar uma alternativa locacional para os poços que
abastecem a fábrica, afinal, no aquífero Gandarela, onde está localizada a fábrica,
existem reservas de água significativas, conforme afirmam os
próprios representantes da empresa”, finaliza Beatriz Vignolo.