C SUL LAGOA DOS INGLESES - O SONHO DE UM PROJETO TOTALMENTE SUSTENTÁVEL PODERÁ SER UM PESADELO HÍDRICO NO FUTURO PRÓXIMO




C SUL LAGOA DOS INGLESES


O SONHO DE UM PROJETO TOTALMENTE SUSTENTÁVEL PODERÁ SER UM PESADELO HÍDRICO NO FUTURO PRÓXIMO



Projetado pelo renomado arquiteto e urbanista Jayme Lerner, o milionário empreendimento a ser implantado em torno do Alphaville, no município de  Nova Lima, foi concebido para ser totalmente sustentável. Segundo os empreendedores a CSul Lagoa dos Ingleses será um universo particular. Abrigará um complexo residencial, de comércio e serviços para mais de 120 mil pessoas, na estrutura geológica conhecida como Sinclinal da Moeda, nos próximos 50 anos, numa área de 27 milhões de metros quadrados, com uma demanda de mais de 2.300.000 m3 de água por mês e investimentos estimados em aproximadamente R$ 400 milhões.

Localizado no âmbito da Centralidade Sul (daí o nome CSul), que integra o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI), o empreendimento pretende ser uma alternativa para as questões sociais da capital mineira e para os municípios vizinhos, segundo seus idealizadores. Defendem que “este novo modelo de urbanismo valoriza o diálogo constante entre pessoas, cultura e meio ambiente”.

Baseado nas premissas qualidade de vida, sustentabilidade, planejamento, mobilidade e infraestrutura, o desenho do que vai ser uma verdadeira cidade prevê construções multifamiliares, unifamiliares, escritórios, drogarias, centros comerciais e de serviços, praças, parques e espaços públicos, jardins botânicos, entre outros. Com planejamento extenso para 50 anos, o empreendimento aguarda licenciamento ambiental.

O conceito do empreendimento em si é fantástico, não há dúvidas. É disso que o país precisa para começar a reverter a urbanização desordenada e caótica no Brasil - um verdadeiro desastre que gera impactos negativos, por vezes irreversíveis, na sociedade e meio ambiente.

Porém esse sonho da CSul poderá se transformar, em um futuro próximo, em pesadelo não só para aqueles que se fixarem nessa “nova cidade sustentável”, mas principalmente para os habitantes das históricas comunidades situadas no seu entorno, que correrão um sério risco de desaparecerem. Motivo: falta d´água!

Isso porque, segundo levantamentos realizados pela ONG Abrace a Serra da Moeda, não há estudos hidrogeológicos prévios consistentes que atestem a viabilidade ambiental do empreendimento, que tem potencial de causar impactos diretos sobre as nascentes do Monumento Natural da Mãe D’água (unidade de conservação de proteção integral), localizado na Serra da Moeda, em Brumadinho, responsável por abastecer diretamente mais de 10 mil famílias, além de servir como zona de recarga da Bacia do Rio Paraopeba.


Mas não é só. O empreendedor utiliza como cortina de fumaça a proposta de criar uma RPPN, que seria uma demonstração do valor que dá à proteção e conservação da natureza, uma vez que estaria gravando, em caráter perpétuo, uma parte do imóvel para esta finalidade.

A RPPN tornar-se-ia, nos próprios termos da proposta de criação, a identidade principal da CSUL e teria dois objetivos principais: primeiro o de criar um circuito turístico, com altos índices de visitação, possibilitando aos cidadãos visitar e usufruir do patrimônio paisagístico e ambiental e oferecendo possibilidades recreativas e educacionais; segundo o de estabelecer uma conexão ecológica entre o Monumento Natural da Serra da Moeda com o Monumento Natural da Serra da Calçada.

A área escolhida para a implantação desta unidade de conservação é uma faixa de aproximadamente 250m de largura ao longo da encosta leste da Serra da Moeda, reconhecidamente escarpada, totalizando uma superfície de 317ha.

Trata-se de trecho da Serra da Moeda destituído de cobertura vegetal expressiva e degradado por áreas de lavra a céu aberto de minério de manganês, que deixaram cicatrizes abertas, onde por força da alta declividade torna-se quase impossível construir.

 
Além disso, o traçado da RPPN não contribui, para a ligação entre as unidades de conservação existentes no local, comprometendo a intenção declarada pelo empreendedor de estabelecer uma conexão ecológica entre o MONA Serra da Moeda e MONA da Calçada, pois enquanto no seu extremo sul ela faz limite com o MONA Estadual da Serra da Moeda ao norte ela colide e é interrompida pela própria zona comercial e industrial do empreendimento imobiliário. Não é só que esta conexão foi mal planejada; a RPPN foi desenhada para impedir que a conexão se faça no futuro.

Fig. 2 : Interrupção norte da RPPN contra setor comercial/industrial. Fonte: Informações Adicionais – R02-161127, MYR-CSUL, 2015.

     

 
 
Assim é forçoso concluir que a RPPN é apenas mais um recurso comercial e jurídico da CSul para vender e licenciar o seu mega-projeto imobiliário ao suposto sacrifício comercial de grande área de sua propriedade em favor da preservação ambiental. A CSul ao invés de converter uma área intocada, com atributos ambientais originais, destina um setor degradado por áreas de lavra, destituído de cobertura vegetal expressiva e que, por força da declividade já é área de preservação permanente (Lei 12.651/2012, art. 4º, V – Código Florestal).

O mais grave é que, embora seja desejável a criação de RPPN’s, é importante que essas unidades de conservação não sejam utilizadas como manobra jurídica ambiental para liberar empreendimentos de significativo impacto em troca de uma compensação ambiental in natura que não contribui para a proteção dos recursos ambientais representativos da região. Visto que o recurso ambiental mais importante da Serra da Moeda é, sem dúvida, a água subterrânea contida no aquífero Cauê, a área destacada para a RPPN, pelo seu limite leste, presta um desserviço à proteção do aquífero. 

Isto porque enquanto a porção mais escarpada foi destinada para a RPPN, a porção mais a jusante, de topografia mais amena, ficou reservada à parte industrial e comercial do empreendimento imobiliário. Ocorre que a recarga do aquífero acontece justamente na porção de topografia mais amena onde a taxa de infiltração da água da chuva prepondera sobre a taxa de escoamento, enquanto o inverso acontece na porção escarpada. Ou seja, a porção onde a taxa de infiltração é maior será impermeabilizada pela ocupação imobiliária, enquanto na porção reservada para a RPPN a taxa de escoamento é muito maior que a de infiltração. Em termos de proteção da água subterrânea a localização da RPPN é desastrosa. 




Assim, aquele propalado sonho sustentável da CSUL, pode virar um verdadeiro pesadelo hídrico para a população residente no setor sul da RMBH.